POSSO APLICAR A SUSPENSÃO DO CONTRATO DA FUNCIONÁRIA GESTANTE NOS MOLDES DA MP 1.045/2021?
Por Lucas Gonçalves – Cresça Consultoria 20/05/2021
Esse é um questionamento que tem surgido graças a lei 14.151/2021 que determinou o afastamento da funcionária gestante no período de emergência pública devido ao COVID-19, vejamos:
“Art. 1º Durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus, a empregada gestante deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial, sem prejuízo de sua remuneração.
Parágrafo único. A empregada afastada nos termos do caput deste artigo ficará à disposição para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância.
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”
Primeiramente devemos nos atentar que a lei determina o afastamento da gestante independentemente do prazo da gestação, pois a lei é omissa com relação a esse ponto, outro ponto que devemos nos atentar é com relação a informação do afastamento sem prejuízo salarial, diante disso se iniciam os questionamentos.
É possível suspender o contrato de trabalho das gestantes, na vigência da MP 1045, visto a impossibilidade de prejuízo em sua remuneração?
Primeiramente vamos falar da questão do possível prejuízo salarial, vamos voltar um pouco, vamos diretamente a CLT em seu artigo 392, § 4º, vejamos:
“Art. 392. A empregada gestante tem direito à licença-maternidade de 120 (cento e vinte) dias, sem prejuízo do emprego e do salário.
....
§ 4o É garantido à empregada, durante a gravidez, sem prejuízo do salário e demais direitos:
I - transferência de função, quando as condições de saúde o exigirem, assegurada a retomada da função anteriormente exercida, logo após o retorno ao trabalho;
II - dispensa do horário de trabalho pelo tempo necessário para a realização de, no mínimo, seis consultas médicas e demais exames complementares.”
É possível observar que a lei 14.151/2021, não traz nenhuma novidade com relação ao salário, pois o artigo 392, § 4º, já demonstra de forma clara que “durante a gravidez”, ou seja, não apenas o período de licença maternidade a funcionária gestante não poderá sofrer qualquer prejuízo salarial.
Ainda buscando responder a mesma pergunta, vejamos alguns detalhes da MP 1045/2021, começando pelo seu artigo 2º, I, vejamos:
“Art. 2º Fica instituído o Novo Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, pelo prazo de cento e vinte dias, contado da data de publicação desta Medida Provisória, com os seguintes objetivos:
I - preservar o emprego e a renda;”
Mais uma vez não temos nenhuma novidade com relação a renda, pois a MP de forma clara, já evidência que um dos seus objetivos é a preservação do emprego e da renda.
Continuando mesmo artigo inciso III.
“III - reduzir o impacto social decorrente das consequências da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19).”
Observem novamente que o foco da MP é reduzir o impacto social decorrente das consequências da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19), o mesmo objetivo da lei 14.151/2021, em seu artigo primeiro.
“Art. 1º Durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus, a empregada gestante deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial, sem prejuízo de sua remuneração”
Mais uma vez, não temos nenhuma novidade, ambos possuem o mesmo objetivo sendo a principal diferença que a lei 14.151/2021 é específica para as gestantes.
Vamos continuar a MP 1045/2021, mais precisamente vamos para o artigo 6º:
“Art. 6º O valor do Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda terá como base de cálculo o valor da parcela do seguro-desemprego a que o empregado teria direito, nos termos do disposto no art. 5º da Lei nº 7.998, de 1990, observadas as seguintes disposições:
I - na hipótese de redução de jornada de trabalho e de salário, será calculado com a aplicação do percentual da redução sobre a base de cálculo; e
II - na hipótese de suspensão temporária do contrato de trabalho, terá valor mensal:
a) equivalente a cem por cento do valor do seguro-desemprego a que o empregado teria direito, na hipótese prevista no caput do art. 8º; ou
b) equivalente a setenta por cento do valor do seguro-desemprego a que o empregado teria direito, na hipótese prevista no § 6º do art. 8º.
.....
Art. 8º O empregador, durante o prazo previsto no art. 2º, poderá acordar a suspensão temporária do contrato de trabalho de seus empregados, de forma setorial, departamental, parcial ou na totalidade dos postos de trabalho, por até cento e vinte dias.
...
§ 6º A empresa que tiver auferido, no ano-calendário de 2019, receita bruta superior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais) somente poderá suspender o contrato de trabalho de seus empregados mediante o pagamento de ajuda compensatória mensal no valor de trinta por cento do valor do salário do empregado, durante o período de suspensão temporária do contrato de trabalho pactuado, observado o disposto neste artigo e no art. 9º.”
Chegamos ao principal ponto da nossa discussão, será mesmo que a MP 1045/2021, trará algum prejuízo salarial para a gestante?
Analisando os fatos e números, e por isso trouxe aqui algumas simulações de valores para visualizarmos se o prejuízo salarial é real ou não, vamos lá.
Exemplo 1
Salário.........................R$ 1.255,00
Seguro Desemprego...R$ 770,00
Dif. Sal. x SD...............R$ 485,00
Ajuda Compensatória.R$ 376,50
Salário Final.................R$ 1.146,50
Diferença.....................R$ -108,50
Exemplo 2
Salário..........................R$ 1.500,00
Seguro Desemprego....R$ 840,00
Dif. Sal. x SD................R$ 660,00
Ajuda Compensatória...R$ 450,00
Salário Final..................R$1.290,00
Diferença......................R$ - 210,00
Obs. O Valor do seguro desemprego foi calculado com base no percentual de 70% que será pago pelo governo para as empresas que tiveram uma receita bruta superior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais) em 2019.
A resposta é sim! Existe um prejuízo salarial, mas por isso não é possível suspender o contrato? Não é possível uma complementação na ajuda compensatória?
Observe que no § 6º, temos a obrigatoriedade do pagamento da ajuda compensatória mensal no valor de trinta por cento do valor do salário do empregado, vejam que a MP é omissa com relação ao limite, mas reforça a ajuda mínima compensatória de 30% do salário do empregado, a qual a MP determina também em seu artigo 9, § 1:
“Art. 9º O Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda poderá ser acumulado com o pagamento, pelo empregador, de ajuda compensatória mensal, em decorrência da redução proporcional de jornada de trabalho e de salário ou da suspensão temporária de contrato de trabalho de que trata esta Medida Provisória.
§ 1º A ajuda compensatória mensal de que trata o caput:
I - deverá ter o valor definido em negociação coletiva ou no acordo individual escrito pactuado;”
Mais uma vez temos de forma clara a MP 1045/2021, traz possibilidade do valor da ajuda compensatória mensal ser ajustada via acordo individual, acordo ou convenção coletiva, até mesmo porque caso não fosse possível, por qual motivo o legislador iria novamente incluir na medida provisória o artigo 13º caso a funcionária gestante fosse proibida de participar de tal benefício, desde que respeitado o artigo 392 da CLT como vimos aqui, vejamos o artigo 13º da medida provisória.
“Art. 13. A empregada gestante, inclusive a doméstica, poderá participar do Novo Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, observadas as condições estabelecidas nesta Medida Provisória.”
Agora vamos esquentar a discussão, observem que ainda no artigo 8º, § 1º, § 2º e§ 3º:
“§ 1º A suspensão temporária do contrato de trabalho será pactuada, conforme o disposto nos art. 11 e art. 12, por convenção coletiva de trabalho, acordo coletivo de trabalho ou acordo individual escrito entre empregador e empregado.
§ 2º Na hipótese de acordo individual escrito entre empregador e empregado, a proposta deverá ser encaminhada ao empregado com antecedência de, no mínimo, dois dias corridos.
§ 3º O empregado, durante o período de suspensão temporária do contrato de trabalho:
I - fará jus a todos os benefícios concedidos pelo empregador aos seus empregados; e
II - ficará autorizado a recolher para o Regime Geral de Previdência Social na qualidade de segurado facultativo.”
Observe que o sindicato da categoria poderá participar do acordo para a suspensão de trabalho ou ele poderá ser feito de forma individual, observe também o § 3º, inciso I, “fará jus a todos os benefícios concedidos pelo empregador aos seus empregados”. Mais uma vez temos a obrigatoriedade da manutenção dos benefícios do seu cargo ou função.
Voltando ao “§ 1º, ele menciona os artigos 11º e 12º, vejamos o artigo 12º o qual é mais focado nas suspensões.
“Art. 12. As medidas de que trata o art. 3º serão implementadas por meio de acordo individual escrito ou de negociação coletiva aos empregados:
I - com salário igual ou inferior a R$ 3.300,00 (três mil e trezentos reais); ou
II - com diploma de nível superior que percebam salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência
Social.
§ 1º Para os empregados que não se enquadrem no disposto no caput, as medidas de que trata o art. 3º somente poderão ser estabelecidas por convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, exceto nas seguintes hipóteses, nas quais se admite a pactuação por acordo individual escrito:
I - redução proporcional de jornada de trabalho e de salário de vinte e cinco por cento, de que trata a alínea "a" do inciso III do caput do art. 7º; ou
II - redução proporcional de jornada de trabalho e de salário ou suspensão temporária do contrato de trabalho quando do acordo não resultar diminuição do valor total recebido mensalmente pelo empregado, incluídos neste valor o Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, a ajuda compensatória mensal e, em caso de redução da jornada, o salário pago pelo empregador em razão das horas trabalhadas pelo empregado.”
Observem que temos a proibição de forma clara da concessão do Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda apenas para os empregados que não se enquadrem no disposto no caput, os quais as medidas poderão ser estabelecidas apenas por convenção ou acordo coletivo, sendo tais empregados proibidos de usufruir tais benefícios aqueles que recebem salário superior a R$ 3.300,00 ou para aqueles com diploma de nível superior que percebam salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social.
Por fim, mesmo que alguns especialistas se posicionem que mesmo complementando a ajuda compensatória, ainda sim geraria prejuízo a funcionária gestante, bem como estaria gerando um passivo trabalhista, pois bem, vale dizer que direito do trabalho comporta alguns princípios que são peculiares deste ramo, dentre eles, destacam-se especialmente o do princípio da norma mais favorável e o da condição mais benéfica ao funcionário, portanto nada impede que empregador de realizar tal complementação da ajuda compensatória mensal, juntamente com as férias e o décimo terceiro do período, veja que a própria nota técnica SEI nº 51520/2020/ME diz em seu § 19, inciso 3, que:
“E, observando-se a aplicação da norma mais favorável ao trabalhador, não há óbice para que as partes estipulem via convenção coletiva de trabalho, acordo coletivo de trabalho, acordo individual escrito, ou mesmo por liberalidade do empregador, a concessão de pagamento do 13º ou contagem do tempo de serviço, inclusive no campo das férias, durante o período da suspensão contratual temporária e excepcional (art. 8º, §1º da Lei nº Lei nº 14.020, de 2020).”
Concluímos que, analisando a CLT, a MP 1045/2021 e a lei 14.151/2021, foi possível constatar que não há impedições legais para suspender o contrato de trabalho da funcionária gestante, desde que todos os benefícios sejam mantidos e que ela não venha a ter qualquer prejuízo salarial, ou seja, nada impede a utilização da MP 1045/2021, sendo indispensável a utilização correta da ajuda compensatória e observando também a faixa salarial que se torna indispensável a presença do sindicato na pactuação desde acordo.